A representação política moderna nasceu como uma forma de ampliar as perspectivas do público e garantir que interesses coletivos sobreponham interesses individuais. Na modernidade, o Estado posa como representante exclusivo de interesses comuns da sociedade e como responsável pela administração de bens públicos. Assim como Hobbes retratou no século XVII o contrato social como a autorização do indivíduo para o soberano; a representação política assegura atualmente a soberania do Estado.Sobre o Conflito no Oriente Médio
A narrativa é de autonomia, mas a realidade é de tutela
Os modelos de representação política passaram por várias mudanças. Uma delas, por exemplo, garantiu a democratização do voto e a concepção de pluralidade política. Desta forma, a pluralidade de atores, espaços, temas e discursos mostra que cada vez mais é necessário e urgente repensar o conceito de representação política junto à construção de novos espaços. A representação política se ramifica e atinge diversas camadas da sociedade para além do espaço eleitoral.
O Brasil passa por uma crise profunda em sua democracia representativa. Há uma insatisfação dos cidadãos com seus representantes e com todo o “arranjo institucional”. É nítido perceber que o país acompanha uma onda metamórfica que já era perceptível também em outros países em desenvolvimento e potências econômicas. Em primeiro lugar, há uma ferida aberta de uma mudança remota: as antigas oligarquias locais não se ajustaram às novidades da representação política. Em segundo lugar, a pluralidade política passa por uma intensa transformação de seus atores e movimentos. Em terceiro lugar, a polarização se estende como consequência da atual crise representativa, mas, ao mesmo tempo, a intensifica.
Bernand Manin (1995)1 retrata algumas mudanças recentes na democracia representativa. Se antes a “representação parecia estar fundamentada em uma forte e estável relação de confiança entre o eleitorado e os partidos políticos”, hoje o eleitorado não se identifica com um único partido e muda seus votos de uma eleição para outra. Desta forma, a estratégia eleitoral presente não passa por programas políticos ou propõem uma fidelidade partidária, mas sim por uma construção de imagens e projeção da personalidade de seus líderes (com grandes habilidades de dominar os meios de comunicação de massa).
A “democracia de partido” se transformou para uma “democracia do público”. A demanda por inclusão política nos processos representativos sugere grandes desafios de programar uma política que represente identidades, além de “ideias”; e que busque a inclusão das minorias sociais de modo participativo. Contudo, a “democracia do público” não foi suficiente para solucionar esse problema e aprofundou ainda mais a exclusão política. Assim sabe-se que a justiça da representação política não está garantida a priori.
A metamorfose representativa impõe aos partidos transformações para que garantam o exercício de poder através de políticos “personas” sem uma bandeira partidária. Entretanto, com tais transformações, os partidos podem perder sua capacidade de agir como “filtros” capazes de expurgar candidatos que não são condizentes com a característica representativa do governo democrático (URBINATI, 2006)2. Teoricamente, o partido teria o papel de expurgar candidatos intolerantes, mas o efeito Trump/Bolsonaro não parece ser um caso isolado. Articular o “interesse universal” e fortalecer o vínculo entre cidadão e representante não repousam como prioridades para os partidos nos tempos atuais.
A humanidade passou de uma política de ideias para uma política de presença. (PHILLIPS, 2001)3. Cidadãos que antes votavam em alguém que carregasse os ideais de um partido, atualmente se realizam conforme a personificação dos candidatos. Representantes que antes possuíam uma independência parcial às respectivas disciplinas partidárias, hoje se apegam a uma “imagem política e pública”.
A expressão da opinião pública antes organizada e estruturada pelos partidos é, atualmente, organizada e estruturada pela mídia e pelos meios de comunicação. A divergência de opinião de representantes se estrutura por temas e não por clivagens partidárias. As sessões do Parlamento e demais votações não mais conferem um selo de validade legal a decisões já tomadas pela legenda, mas sim decisões tomadas de acordo com um líder, gerando instabilidade eleitoral.
Mas, afinal, quando há uma representação? Young (2006)4 mostra três critérios: interesses, opiniões e perspectiva social. A representação política acontece quando há uma defesa dos interesses dos cidadãos (fins pessoais que se projetam no coletivo) e quando há uma defesa de opiniões e de perspectivas sociais. Por conseguinte, o eleito não necessariamente deve sentir a experiência do eleitor, mas deve representá-lo através de seus interesses, opiniões e perspectivas. Tendo o Brasil como exemplo, percebe-se que Jair Bolsonaro como governante representa, em sua “democracia do público”, os interesses, opiniões e perspectivas somente de seus apoiadores e não sente a experiência da população brasileira no geral.
Caracteriza-se uma representação efetiva? Segundo Phillips (2001), o surgimento de novas demandas por presença política por parte de movimentos sociais e da diversidade multicultural/globalizada mostra que uma representação efetiva nos tempos atuais não existe. Tanto a política das ideias quanto a política de presença não são capazes de suprir a exclusão política.
Sendo assim, a diversidade não se mostra apenas em diferenças de interesses e opiniões. A inclusão de pautas políticas não é eficaz quando não acompanhada da pluralidade. A metamorfose representativa precisa de uma solução que começa com uma pergunta crucial: Como representar de modo a incluir todos os cidadãos sem dissociar as diferentes formas de se fazer política?5