Ao analisar a sociedade contemporânea em meio ao processo de autovalorização célere do modo de produção capitalista, percebe-se uma constante transformação do ser social em indivíduo quantitativo, ou seja, a completa abstração do significado essencial no cerne existencial do homem em correlação com seu semelhante, situado em sua natureza interior e exterior.Moçambicanos impacientes tomam as ruas: o preço da incoerência política e governativa da Frelimo
Sobre o Conflito no Oriente Médio
A própria concepção do “sujeito neoliberal”, desprovido de consciência crítica e detentor de uma alma “estreita”, positiva e profundamente abstrata, ao despojar sua sentimentalidade e organicidade ao inconsciente, trazendo à tona a superficialidade necessária para que a ciranda capitalista continue a girar em movimento cumulativo, faz parte de uma transformação volátil propiciada por esse ciclo de autovalorização do Capital.
Nesse contexto, quando é criado uma espécie de “sujeito econômico” (ou homo-economicus, levando-se em consideração as teses marginalistas), manifesta-se organicamente o processo de sujeição ao poder capitalista. A partir dessa análise do processo de formação de um sujeito que segue inconscientemente o mesmo ciclo de desenvolvimento automático dos meios de produção capitalistas, o que acarreta uma profunda “racionalização mistificada” do ser, ou seja, à medida que esse processo se atualiza e engendra um indivíduo racionalmente despojado de sua essência produtiva (tal como Marx analisa em seu texto sobre o trabalho estranhado1), a consciência a respeito da práxis vivenciada, seja numa realidade particular seja num espaço amplo de inter-relação sujeito-objeto (escola, igreja, assembleia etc.), torna-se desconhecida numa perspectiva crítica do próprio sujeito capitalista.
À luz da analítica do sujeito em relação à práxis suscitada anteriormente, faz-se necessário realizar uma crítica ao processo de banalização, antes revisionista, tornando-se hodiernamente pós-moderno, do método crítico à realidade, partindo de uma perspectiva materialista histórico-dialética, seja universalista ou não. Antes fosse a superficialidade do pós-modernismo em suas explanações sobre o indivíduo neoliberal, mas o problema principal reside da incapacidade de que a maioria (senão todos) os adeptos da “intelectualidade” pós-moderna em estabelecer uma consciência transformadora que penetre no cerne essencial das massas, para uma transformação social da realidade capitalista.
Antes de realizarmos uma crítica profunda aos ideais de contemplação e analítica ilusória (às perspectivas do leitor) da realidade, sem a mínima preocupação para com sua transformação, é necessário estabelecermos uma análise a respeito do intelectual, partindo de um método dialógico, visando a formação do ser social, seja para a tomada dos meios de produção e a construção de uma práxis essencialmente produtiva em relação à existência do ser enquanto genérico, seja uma substituição do regime “político, econômico, institucional de produção da verdade”2.
Foucault, em suas análises sobre o intelectual específico, é comprovada um encadeamento de três especificidades:
“(…): a especificidade de sua posição de classe (pequeno burguês a serviço do capitalismo, intelectual ‘orgânico’3do proletariado); a especificidade de suas condições de vida e de trabalho, ligadas à sua condição de intelectual (seu domínio de pesquisa, seu lugar no laboratório, as exigências políticas a que se submete, ou contra as quais se revolta, na universidade, no hospital etc.); finalmente, a especificidade da política de verdade nas sociedades contemporâneas.” (FOUCAULT, M. Microfísica do Poder, p. 53).4
O filósofo francês acredita que apenas dessa forma, a posição do intelectual pode “adquirir uma significação geral, que seu combate local ou específico acarreta efeitos, tem implicações que não são somente profissionais ou setoriais”5. No entanto, o objetivo central do intelectual de Foucault é o de transformar apenas o regime, a administração do regime da verdade, que é o mesmo regime de poder, portanto interpretações daquilo que é abstrato, inconsciente, mas que atravessa a temporalidade aderindo novas formas de compreender o lado psíquico do sistema administrativo desse poder.
Butler (2017) realiza uma reflexão mais psicossocial do regime de interpretação do poder inserido numa sociedade, como sujeição. Isso seria, no sentido estrito da palavra, a “feitura de um sujeito”6, a formação da essência do ser, da interpretação do “real” vigente a partir do abstrato. Portanto o intelectual específico quando se preocupa em transformar o regime de verdade, consequentemente está transformando a consciência intrínseca e extrínseca da realidade a qual esse sistema administra o poder.
Nesse contexto, é necessário estabelecermos uma relação não-metódica entre Foucault e Gramsci, à medida que o intelectual orgânico descrito em sua obra “Os intelectuais e a organização da cultura”7, e que fora indiretamente citado pelo pensador francês anteriormente, se preocupa também com a transformação da realidade vigente à sua época. No entanto, a perspectiva gramsciana visa muito mais uma crítica a modo produção e uma construção dialógica professor-aluno da consciência da classe trabalhadora, para a organização crítica, seguindo uma perspectiva materialista histórico-dialética, visando a tomada dos meios de produção da classe burguesa em vias de hegemonização, tendo por sua vez, a objetivação específica da destituição dessa classe por meio da ditadura do proletariado e a consolidação desta como hegemônica político-econômica e culturalmente.
Numa perspectiva gramsciana, o pedagogo gaúcho Gaudêncio Frigotto analisa o intelectual orgânico como aquele que contribui para a transformação da sociedade a partir da consciência de classe:
“Na lógica do proletariado, o intelectual orgânico é aquele que educa, organiza e direciona a classe para a tomada de consciência das relações sociais de produção a que a mesma está submetida. (…). O intelectual enquanto portador, o criador da consciência de classe e, ao mesmo tempo, o difusor e a ‘consciência crítica de classe’, é um engajado na luta pela hegemonia da classe proletária.” (FRIGOTTO, G. A produtividade da escola improdutiva, p. 194).8
A diferença entre o intelectual orgânico, de Gramsci e o intelectual específico foucaultiano está no direcionamento imediato de seu objetivo, sendo o primeiro uma participação direta a partir da tomada de consciência, modificando radicalmente a práxis, e o último tratando de uma transformação do regime da verdade que, no final das contas é uma modificação espacial da administração do poder que, como já fora refletido a partir de Butler (2017), tal mudança de gestão recai ao ser uma nova percepção da concretude do espaço em que está situado, transformando-o em um sujeito fabricado por aquele regime de poder que está instaurado.
De certa maneira, a visão dos opostos intelectuais se encontram num ponto de convergência, que seria a modificação seja inicial e direta, seja final e indireta, da consciência do ser em sociedade. Esse primeiro momento de reflexão sobre a atuação do intelectual é importantíssimo para que seja aberto o espaço de crítica aquele que é erroneamente chamado de intelectual pós-moderno, que estabelece o martelo da ilusão de uma crítica a práxis.
O sujeito da pós-modernidade é superficial, desprovido de crítica. Seu intelectual (ou pseudo-intelectual) é, consequentemente, uma analogia à falta de compreensão histórica dos fatos que permeia a relação sujeito-objeto na sociedade na qual o capitalismo abstraiu a crítica da analítica do ser. A negação às manifestações dialéticas, seja oriundas de uma organicidade crítica, seja de uma compreensão não-universalista de que o poder é um “feixe aberto, mais ou menos coordenado (e sem dúvida mal coordenado) de relações”9, representa um retrocesso metodológico. A compreensão pós-moderna é vazia e nega a ideia da correlação entre ser e matéria, o ser torna-se indivíduo, dissociado de sua natureza produtiva. Em suma, a analítica pós-moderna anula toda e qualquer forma de transformação da realidade e, portanto, o intelectual pós-moderno não passa de um mantenedor de uma lógica subserviente ao regime sistemático do poder ao ser afirmado, nessa perspectiva, a anulação das ações em troca de discursos.
O caráter discursivo torna-se o principal ponto de análise dos pseudo-intelectuais da pós-modernidade, cessando toda possibilidade de organização política entre os povos. Renegar as lutas a esse aspecto é anular a crítica sistemática e, portanto, destituir do ser a função de construtor da consciência emancipadora. Esses pontos que, no ponto de vista raso da forma de pensamento dessa casta filosófica popular, destroem toda a essência crítica do ser, transformando-o em indivíduo, podem ser analisadas como uma espécie de neo-revisionismo, uma nova banalização dor ser enquanto relacionado com a natureza.
Nesse contexto, o filósofo húngaro Georg Lukács realiza, em “História e Consciência de Classe”, uma crítica inicial às tentativas de “superação” ao método, mas que apenas conduziram para a completa banalização, carregada de um falso pluralismo, tal qual percebe-se na analítica pós-moderna no espaço hodierno de crítica:
“Os oportunistas mais refinados, malgrado sua repugnância instintiva e profunda por toda teoria, não o contestam de modo algum, mas invocam o método das ciências naturais, a maneira como estas são capazes de mediar os fatos “puros” pela observação, abstração e experimentação e são capazes de fundamentar suas relações. Além disso, opõem as construções violentas do método dialético esse ideal de conhecimento.
O caráter enganoso de tal método reside no fato de que o próprio desenvolvimento do capitalismo tende a produzir uma estrutura da sociedade que vai ao encontro dessas opiniões.” (LUKÁCS, G. História e Consciência de Classe. p. 71).10
Seguindo a crítica lukacsiana aos pensadores “progressistas” e trazendo para o espaço de análise sobre os teóricos da pós-modernidade, percebe-se uma semelhança em relação à “subserviência metodológica” ao capitalismo, que se apropria das ciências naturais para desenvolver o processo de autovalorização do Capital.
Quando o caráter crítico-estrutural recai a uma apologia ao aspecto discursivo das ações, uma ode às ciências psíquicas é manifestada de modo incongruente à própria analítica pós-moderna, pois tais “estruturas” não se consolidam de modo espacial por ação discursiva, mas por ação do ser em sociedade, provocando um processo de transformação do sujeito e a elaboração de uma nova forma de manifestação do poder e a criação inconsciente dessa nova forma de ser em confluência com sua natureza produtiva.
À luz dessas considerações, é possível afirmar que o intelectual, no sentido ontológico da palavra, é aquele que educa o sujeito para transformar sua realidade e, por fim, organizar uma modificação concreta da práxis vigente, estabelecendo uma nova consciência social. Sua atuação como educador pode ser manifestada direta ou indiretamente, mas o processo de “criação” de uma nova compreensão da sociabilidade é realizada.
Por fim, a crítica aos intelectuais da pós-modernidade reside naquilo que fora explanado no último parágrafo: o intelectual é aquele que contribui para a transformação social da práxis. Portanto, o pensador pós-moderno, nessa perspectiva, não é um intelectual, mas um contribuinte da manutenção do processo de exploração do regime de poder, manifestado pelo sistema capitalista, ou seja, o pós-moderno é um agregador filosófico do desenvolvimento ideológico da alienação, relegando ao discurso o único ponto de ação daquilo que é denominado por eles de “indivíduo”, remontando ao processo de volatilização das relações sociais, propiciado pelo processo de autovalorização do Capital. A “salvação” dialética destes pensadores está numa da inúmeras máximas de Marx, mas sem dúvida a mais adequada:
“Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”. (MARX, K. A ideologia alemã – Teses sobre Feuerbach, p. 535).11