Lançado em 1º de junho de 2023, “Homem-Aranha Através Do Aranhaverso” é um sucesso estrondoso. A trama que continua o filme de 2019 mostra Miles Morales, este baita personagem, lutando contra o destino e a amargura de quem o tenta obrigar a aceitar o inevitável.
Isso é muito genérico. Não estamos tentando fazer uma crítica aqui. O filme é excepcional, e é a parte 1 de uma obra maior (é importante dizer isso, para não se decepcionar ao perceber que esta história ainda não tem um final), mas é importante tratar de outra coisa aqui.
Com grandes poderes…
Existe um consenso correto em torno de Aranhaverso ao dizer que esta animação rica e detalhada é pensada como uma peça de arte pura. Isso era verdade no original e é verdade aqui novamente. Há um verdadeiro ataque vertiginoso de ideias e referências gráficas. É um bom filme que mostra a importância de se ter coração, visualmente e narrativamente falando.
No filme, o antagonismo se dá não com um novo supervilão, mas com outro aranha, especificamente a versão 2099 do Homem-Aranha: Miguel O’hara. Aqui, após sofrer uma perda pessoal imensa, Miguel percebe que a perda é algo necessário e tudo o que resta aos heróis é viver com a culpa. O dilema da culpa, que substitui a responsabilidade na clássica frase motivadora do universo Marvel, foi uma proposição desde a criação do personagem. Era uma ideia central criada pelo roteirista Peter David, responsável por nos apresentar Miguel.
Ainda em 2019, após a première de Aranhaverso, David revelou em entrevista ao Comics: The Gathering que ficou emocionado ao ver o personagem que criou aparecendo na cena pós-créditos do filme. O filme foi um sucesso mediano, atendendo às expectativas da Columbia e da Sony, mas seguiu crescendo em prestígio e também lucrando mais após a vitória do Oscar de melhor animação. Uma aguardada sequência com Miguel com mais destaque foi anunciada e as expectativas do público cresceram.
Pouco tempo depois, Peter David precisou abrir uma vaquinha na internet para custear cuidados médicos.
Quem é Peter David?
Em 2012, o roteirista Peter David anunciou em seu blog que sofreu um acidente vascular cerebral. Na ocasião, dizia estar bem, sendo que ele mesmo escreveu a nota no site, mas os termos assustavam os fãs: “Estávamos de férias na Flórida quando perdi o controle do lado direito do corpo. Não consigo enxergar bem nem mexer o braço e a perna direitos. Estamos para saber a extensão dos danos e informo assim que souber mais detalhes”.
David continuou escrevendo X-Factor até o final de 2013. E é preciso dizer que foi um dos melhores runs da equipe em toda a história. Não tínhamos muitos detalhes sobre a saúde do autor, apenas que ele seguia trabalhando. Ao longo de sua carreira, David se mostrou o roteirista mais relevante a compor o imaginário do Incrível Hulk.
Na DC, redefiniu completamente o Aquaman, dando a ele os tons ambientalistas que conhecemos hoje. Ele também escreveu Justiça Jovem (a HQ e a animação). E falando em séries animadas, ele escreveu alguns episódios de Ben 10 e a série animada clássica dos X-Men. Sua contribuição para a mídia de quadrinhos e sua popularização através de suas adaptações é simplesmente inegável.
Ainda assim, em novembro de 2022, quando Peter David foi hospitalizado após sofrer um ataque cardíaco e uma série de derrames, o público soube da notícia após o lançamento de uma campanha de arrecadação para ajudar a pagar suas despesas médicas. Não houve apoio das empresas que estavam lucrando com seu trabalho em cifras milionárias.
Apoie, se puder
Em “Homem-Aranha 2099”, os maiores inimigos do cabeça de teia não são o Duende Verde ou o Venom, embora versões desses personagens apareçam. Os maiores inimigos são as megacorporações que sugam a vida da sociedade em um ambiente hiper capitalista.
Mesmo que essa não seja a intenção de Aranhaverso, é simbólico que a versão de cinema de Miguel O’Hara tenha entregado os pontos quando seu criador é abandonado numa lógica mercadológica semelhante ao que vemos na ficção.
Sem saúde pública nos EUA, os custos médicos são enormes. Ainda em 2022, a vaquinha online que inicialmente era de $40 mil foi atualizada para $80 mil. Hoje, quando escrevo este artigo, está quase batendo a nova meta de 170 mil dólares. É certo que precisarão de mais recursos no futuro. Também, no momento em que escrevo, nas últimas 24 horas, a Sony arrecadou 11 milhões de dólares com Aranhaverso.
É importante ter em mente que a inovação artística e o coração que esta obra possui só estão ali porque ainda servem a um objetivo de mercado, caso contrário seriam cortados e abandonados. E junto com eles, quando isso ocorre, vão vidas inteiras. Se você puder ajudar, acesse a vaquinha aqui.
