Nos últimos meses, muitos artistas e analistas se debruçaram com pavor diante do advento das inteligências artificiais nos moldes do Chat GPT. O maior medo seria a substituição de mão de obra de vários trabalhadores e um colapso estrutural da indústria criativa para escritores, roteiristas e afins.Sobre o Conflito no Oriente Médio
A narrativa é de autonomia, mas a realidade é de tutela
Longe de querer mitigar este medo, este texto procura apontar para um problema que opera agora de forma muito mais urgente e passa ao largo das discussões públicas há muitos anos – e que, ironia do destino, talvez esteja ao fim relacionado com tecnologia também.
Como chegamos até aqui
A greve dos roteiristas dos Estados Unidos de 2023 eclodiu após o desentendimento entre os sindicatos Writers Guild of America, sindicato da categoria dos roteiristas, e do Alliance of Motion Picture and Television Producers, sindicato patronal, que começou em 2 de maio de 2023.
A razão do protesto são os vencimentos em declínio, em razão de condições de trabalho mais desfavoráveis na indústria após o advento das plataformas de Streaming. Durante anos, produções para grandes redes de televisão foram as principais fontes de renda de roteiristas. Com acordos que envolviam séries longas e rendimentos por reprises, havia certo arranjo benéfico para os artistas.
No entanto, o streaming mudou tudo. O modelo de transmissão de conteúdo online alterou as estruturas deste modelo de negócio radicalmente. No lugar de remuneração fixa, há agora contratos por projeto. A participação nos lucros se tornou um tema obscuro e sem perspectiva, afinal, como cobrar por um produto que permanece online indefinidamente?
Além disso, o formato de exibição das plataformas, com temporadas mais curtas leva a uma menor remuneração. No caso dos filmes, desaparece também a figura do pagamento de uma parcela da bilheteria. Fica bem evidente os motivos pelos quais o sindicato dos roteiristas iniciou uma pressão junto ao grande grupo que reúne Netflix, Disney, Warner Bros. Discovery e Paramount.
Algo mudou por aqui
Embora possamos definir muito bem o processo que levou o sindicato dos roteiristas a entrar em greve, talvez alguém se pergunte se, no núcleo da coisa, não seria um processo comum, similar ao que ocorreu em 2007, por exemplo.
Mas há um outro elemento em jogo, que talvez diga mais sobre nosso tempo repleto de algoritmos e entregue ao que muitos consideram chamar de pós-verdade (e aqui entram algoritmos, IA e toda a lógica do capitalismo tardio).
Para realizar o pagamento adequado aos roteiristas, algo que nem de longe impactaria a folha orçamentária destes grandes estúdios, pode ser porque as condições para pagamentos residuais adequados, bem como orçamentos e pessoal, dependem de dados/números que eles não querem divulgar.
Seriam seus números são tão grandes que querem evitar o pagamento ou seriam muito menos impressionantes do que estão sugerindo e os dados são amplamente obscurecidos e falsificados voltados a manter o mercado de home vídeo artificialmente inflado para que possa sobreviver em uma espécie de mercado especulativo de investimento?
Esta seria uma questão meramente especulativa e, embora interesse muito à análise, pouco podemos fazer escrevendo este texto em português. Mas é interessante pensar como essas gigantes da mídia que se tornaram tão onipresentes em nossas casas, TVs e smartphones podem ter um teto de vidro. Talvez, a depender do impacto que recebam em seu país de origem, possamos começar a discutir o quanto deveriam ser reguladas aqui também. Uma conversa futura, quem sabe…