Em 24 de março de 2020, a Abominável Excelência, Jair Bolsonaro, surge nos rádios e canais televisivos para passar uma mensagem sórdida e abjeta1, que vai contra tudo o que vem sendo feito para lidar com a pandemia de covid-19 – a causa da maior crise desde a Segunda Guerra Mundial – colocando em risco a vida de milhões dos brasileiros, milhões, cerca de dois milhões. Enquanto isso, em 11 de dezembro de 1946, 73 anos atrás, em Nova York, foi assinada a Resolução 96 da ONU2 que definia e tratava como crime um ato hediondo cometido tantas vezes na história humana, dizendo: “[…] o genocídio, quer cometido em tempo de paz, quer em tempo de guerra, é um crime […] (ONU, 1946)”.Sobre o Conflito no Oriente Médio
A narrativa é de autonomia, mas a realidade é de tutela
“[…] entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como: (a) assassinato de membros do grupo; (b) dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo; (c) submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial; (d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; (e) transferência forçada de menores do grupo para outro grupo (ONU, 1946).”
Genocídio, ato de destruir e matar, protagonizado em 1911 pelos otomanos na Armênia, pelos nazistas no Holocausto, pelo imperialismo nas Américas durante as colonizações e em Ruanda nos últimos anos da década de 90. Me arrisco a dizer que seria possível escrever uma lista um tanto extensa se considerássemos a Grande Fome na Irlanda, o Holomodor na Ucrânia e quiçá os mortos no Hospital Colônia de Barbacena e, talvez, num futuro muito mais próximo do que gostaria, poderia inserir nesta lista horrenda um episódio que poderia ser chamado de “genocídio dos trópicos”, este que seria uma consequência direta das atitudes tomadas pela Detestável Exª Jair Bolsonaro durante a pandemia de covid-19 em 2020, se encaixando em dois itens da Resolução 96: “[…] (b) dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo; (c) submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial […] (ONU, 1946)”.
Dito isto, permita-me destrinchar, primeiro, o porque de estarmos, quase todos, tão preocupados ao ponto de tratar esta crise (a do covid-19) como a maior ameaça enfrentada por nós – e digo “nós” falando de toda a sociedade humana – desde que Adolf Hitler cruzou a fronteira da Polônia em 1939 e, segundo, qual é a posição do Brasil nesta balela.
A pandemia de coronavírus é a causa de uma mudança drástica e traumática, e que tornar-se-á histórica, na maneira de se viver de boa parte da humanidade – cerca de 1/3 de toda ela – e de se parar países inteiros por completo, obrigando governos a impor uma quarentena compulsória a um número que já passa de um bilhão de pessoas ao redor do mundo. Estamos vivendo em um período que, sem dúvida, será lembrado e estudado por muitos pesquisadores e estudantes nas décadas que virão. São eventos que mudarão o curso e o modo de vida da nossa sociedade em níveis que ainda desconhecemos e, se isto não é o suficiente para lhe mostrar a magnitude do que está acontecendo, repetirei: não se vê tamanho perigo desde a Segunda Guerra Mundial. Sobre o Brasil, este Estado não irá, de modo algum, manter-se incólume ou com poucos danos nessa pandemia, pelo contrário, me dói, muito, dizer que já é tarde demais para parar a disseminação do vírus e que já foi-se o tempo que tínhamos para tomar as medidas que deveríamos – entenda-se: colocar todo o país em lockdown. Essa pandemia irá, sim, nos atingir com toda a força que tem, ressalto: não se enganem, ela já está aqui e só crescerá – embora as medidas de mitigação e supressão auxiliem o sistema de saúde e, consequentemente, diminuam as mortes, não são capazes de impedir a transmissão e conter os números.
A Vossa Excelência – título que, quando escrito em extenso, é exclusivo do Presidente da República, embora o Sr. Bolsonaro não mereça tal honraria – demonstrou, como é de praxe, inépcia para governar e imbecilidade para falar em seu pronunciamento no dia 24 de março de 2020, ao tratar do covid-19:
“O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade. […] Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércios e o confinamento em massa. […] O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Por que fechar escolas? […] Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação caso se contamine. […] No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado com o vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho. […] Enquanto estou falando, o mundo busca um tratamento para a doença. O FDA americano e o hospital Albert Einstein, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do Covid-19. (G1, 2020)”
A Genocida Excelência fez, somente neste trecho do discurso, quatro declarações falsas ou incompletas, que são: a. o vírus passará rapidamente”, isto é mentira, a vacina não ficará pronta antes de 2021 e, até lá, as medidas de segurança não podem ser afrouxadas; b. “devemos, sim, voltar à normalidade”, esta fala por si só é um crime contra a humanidade, afinal, ele incita a população a ignorar os perigos do covid-19 e, além de arriscar as próprias vidas, transmitir para os grupos de risco; c. “autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada”, esta, além de causar desavenças entre os executivos estaduais e o federal, mina a autoridade dos governadores dos estados e atrapalha que estes instaurem as medidas que o Chefe de Governo deveria instaurar; d. “o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Por que fechar escolas?”, sim, os idosos possuem uma taxa de mortalidade muito maior, porém, os cerca de 2% de mortes para a população jovem e adulta ainda é alto e já existem muitos casos de pessoas com menos de 40 anos e saudáveis virem ao óbito.
A V. Exª cometeu uma série de erros que são terríveis, drásticos, mortais, indignos de um deputado e veja lá de um presidente. A V. Exª já estava mostrando desleixo perante uma pandemia que pôs Estados como a Índia, Itália, Espanha e Estados Unidos de joelhos – o que, sendo o Chefe de Estado e de Governo, já é digno de desprezo – e desperdiçou um tempo preciosíssimo que poderia, e deveria, ter sido usado para impedir entrada e estrangeiros, aplicar testes em massa e mapear os casos da doença, o que teria evitado todo este transtorno que presenciamos, e agora passou a agir, ativamente, com o intuito claríssimo de impedir ou atrapalhar as ações de governadores e prefeitos que estão tentando tomar as medidas recomendadas pelos profissionais de saúde e pela OMS. Isso é um crime contra este país e que pôs a vida de milhões de brasileiros em risco. A V. Exª Jair Messias Bolsonaro está fazendo o uso de uma crise sem precedentes para se promover, não só aprofundando a polarização política presente desde as eleições de 2014, como instigando seus “crentes” a ignorar as restrições de movimentação e as medidas de distanciamento social, o que, infelizmente, irá ser um “empurrão” para o vírus. O que a V. Exª ignora – ou simplesmente não se importa – é que o potencial de matança do covid-19, mesmo com as medidas de mitigação (ou seja, impedir a circulação de idosos, manter os cidadãos afastados e fazer campanhas de higiene), é de centenas de milhares e, ao fazer este pedido em rede nacional, ele sentenciou uma quantidade ainda desconhecida, mas significativa, à morte.
Em 16 de março de 2020, Neil Ferguson3, pesquisador da Imperial College, publicou um artigo que trata dos efeitos das medidas de enfrentamento do covid-19 quanto a redução de mortalidade e demanda hospitalar nos Estados Unidos e Reino Unido, e os resultados – que podem se aplicar ao Brasil do mesmo modo que nos países pesquisados, são:
- 81% da população, em ambos os países, contrairão a doença (covid-19);
- Não sendo tomadas medidas de mitigação, 500.000 vidas seriam perdidas no Reino Unido e 2.2 milhões nos Estados Unidos;
- Considerando que o Reino Unido esteja contando com isolamento dos doentes, quarentena dos que tiveram contato com os infectados e distanciamento social, ainda são 100.000 mortes (note que, neste cenário, não há fechamento de escolas);
- Com a supressão, que é o lockdown ou, basicamente, as atitudes tomadas na Itália e China, as mortes no Reino Unido podem abaixar para 48.000.
Se aplicarmos este mesmo cálculo ao Brasil, levando em conta que 81% dos 210 milhões de habitantes fiquem doentes, e considerarmos que as únicas medidas que serão tomadas para lidar com esta crise são aquelas propostas pela Excecrável Excelência, Jair Bolsonaro, teremos cerca de 2 milhões de mortes até o fim desta pandemia, o que equivale a quase 1% de toda a população.
Bolsonaro os está sentenciando à morte por falta de cuidados médicos que ficarão, sem dúvidas, sobrecarregados quando a massa de doentes começar a chegar. O presidente, em seu discurso, também citou a cloroquina como salvação da Pátria, porém, este remédio é para ser usado somente em casos graves e não tem condições de parar a pandemia, portanto, embora a cloroquina tenha, sim, tido resultados positivos no tratamento da covid-19, não é motivo para afrouxar as rédeas. Reitero, este não é um vírus para ser subestimado de modo algum, porque se for, cobrará um preço que, tenho certeza, não estamos dispostos a pagar, portanto, fiquem em casa.
Por último, volto aos itens “b” e “c” da Resolução 96 da ONU, e digo que “danos graves à integridade física” e “submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial” são, precisamente, o que a V. Exª, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, fará com o seu próprio país, com os homens e mulheres de esquerda e de direita, que o elegeram e o apoiam, os que lhe fazem uma ferrenha oposição, com os pobres, os negros e os que vivem em comunidades, os nordestinos, os que não sabem ler ou escrever, que não possuem meios para comer todo dia e que, ainda por cima, são execrados por Bolsonaro e seus seguidores. O discurso da Odiosa Exª já foi somado com uma propaganda paga pelo Planalto rogando pelo fim do isolamento, carreatas de seus apoiadores já foram chamadas as ruas. Senhoras e senhores, temos um genocida no Brasil.