Graça Graúna é uma escritora engajada no movimento de resistência da Literatura Indígena contemporânea no Brasil. Descendente do povo Potiguara e natural da pequena cidade de São José do Campestre, no Rio Grande do Norte, a autora construiu uma carreira acadêmica e artística bastante consolidada.Sobre o Conflito no Oriente Médio
A narrativa é de autonomia, mas a realidade é de tutela
Como muitos outros escritores indígenas brasileiros, ela utiliza as mídias digitais para divulgar sua produção intelectual e artística e, também, para estabelecer contato com o público leitor. A autora mantém um blog pessoal1 onde se comunica com os seus leitores e divulga a sua obra poética.
Graça Graúna possui diversas publicações, entre elas: Canto Mestizo, livro de poesias publicado pela Editora Bloco no ano de 1999, na cidade do Rio de Janeiro; Tessituras da Terra saiu pela Editora M.E Tânia Diniz, na cidade de Belo Horizonte, em 2000; Tear da Palavra, livro de poemas também editado na capital mineira e lançado em 2007 pela mesma casa editorial; Criaturas de Ñanderu, obra infanto-juvenil publicada em 2010, pela Edições Amarylis ‘Selo Manole’, na cidade de Barueri, São Paulo; Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil, lançado em 2013, na cidade de Belo Horizonte pela Mazza Edições; Flor da Mata, de 2014, saiu pela Peninha Edições (BH); mais recentemente, em 2021, lançou a delicada obra poética Fios do Tempo: quase haicais, por sua Editora Baleia Cartonera, localizada na bela Recife.
Ela publicou também artigos em periódicos científicos e concedeu entrevistas a jornais e revistas. Pesquisadora e professora da Universidade do Pernambuco (UPE), atua na área da Educação. No auge de sua carreira acadêmica e com um pós-doutorado em Direitos Humanos, se estabeleceu no cenário da literatura de autoria indígena contemporânea como uma das precursoras da produção poética e intelectual da literatura brasileira.
Em sua vasta produção, destacamos a obra Flor da Mata (2014), livro que mostra essa relação próxima e intensa dos povos indígenas com a natureza. Escrito a partir do encantamento da autora com o fenômeno da floração dos Ipês, em visita ao cerrado, Flor da Mata é um belo livro de haicais, forma poética cultivada por Graúna, desde o início de sua trajetória autoral no campo da literatura.
A preferência da escritora pelo haicai revela certa abertura para o diálogo com a tradição poética e está associada à presença, no texto, de elementos da natureza em flagrante poético. Aprendemos com a literatura de autoria indígena que é importante considerar questões que vão além dos conceitos puramente estéticos ou estruturais da teoria do poema.
A experiência sensível de ser parte do espetáculo majestoso da natureza: enfeitar a vestimenta com flores para o encontro com o sagrado no movimento da dança ritual ou presenciar a floração do ipê anunciando a renovação da vida pelo nascimento de uma criança. Esse é o teor do fazer poético em Flor da Mata (2014), contaminar a palavra com a energia vital da Terra projetada para a criação e a renovação da vida, em movimentos cíclicos, uterinos, maternais. Ela aproxima, poeticamente, o corpo feminino ao corpo da Terra (Pachamama).
Nessa obra, Graúna também reafirma o compromisso da literatura indígena com o diálogo intercultural e com as formas da poesia clássica em que o haicai sugere liberdade em relação ao fazer poético e favorece um mergulho na natureza, em uma ordenação temática que remete ao universo dos povos indígenas.
A intelectual ressalta o seu respeito à Mãe Terra, ao compor o livro em momento particularmente sensível de sua vida de mulher – quando estava prestes a se tornar avó. Nessa conjuntura, optou por poetizar sobre o ato da criação a partir da exuberância do fogo e da fertilidade da natureza:
Em volta da fogueira:
Memória, história
O mundo se recria2
Ela reitera, na apresentação da obra, a moderna inclusão da flor nas vestimentas das mulheres indígenas para o Toré – importante dança ritual do Nordeste do Brasil. Em Flor da Mata, a poética da escritora também se constrói a partir do choque entre realidades conflitantes, nas quais se pode perceber a sobreposição dos espaços do campo e da cidade, como nos versos:
Bem-te-vi não vê
o arranha-céu espelhado:
estilhaços voam3
O processo acelerado de urbanização e, consequentemente, o impacto dessas ações nas paisagens naturais do país aparecem com mais força nesse haicai, cuja essência parece repousar num certo descompasso do mundo.
Aqui, os símbolos do progresso e do crescimento desenfreados das cidades se impõem na rota do voo do pássaro – um arranha-céu de paredes espelhadas –, provocando a colisão. Os estilhaços indicam o saldo dessa relação desigual: a interrupção do voo e a destruição do pássaro.
A força da palavra poética é intensificada pela imagem do edifício, cujas vidraças se estilhaçam na explosão, diante do voo do pássaro em liberdade. Em um refinamento das operações estéticas para a construção do poema, a escritora concatena redes de significados disponíveis ao evocar, poeticamente, a tensão do (des)encontro historicamente marcado pela exclusão dos povos indígenas frente ao aparato globalizante das sociedades urbanas.
Em um esforço de reinvenção da linguagem poética a partir da forma clássica do haicai, o poema de Graça Graúna assimila a dicotomia campo versus cidade, tão presente nas tensões que costumam envolver as relações entre os indígenas e a sociedade não indígena nos espaços urbanos. Tal dicotomia aciona elementos da realidade imediata, a partir da diáspora interna dos povos indígenas motivada pela violência da colonização e da neocolonização. Os efeitos desse processo materializam-se, hoje, na exclusão pela expropriação material, linguística, espiritual, cultural e simbólica sofrida pelos indígenas em trânsito, ao ocuparem espaços urbanos.
A rígida estrutura social e econômica ditada pelo capital cria lugares de exclusão, como as favelas, que acabam se tornando a única alternativa que resta aos indígenas desaldeados e a todos aqueles alijados dos processos produtivos tradicionais. A poética de Graça Graúna desvela as subjetividades dos povos originários, evidenciando diferenças gritantes nos modos de concepção do real e de relacionamento desses povos com o meio ambiente, em contraposição aos modos historicamente engendrados pelas populações não indígenas.
Entretanto, os preconceitos e a segregação seguem tensionando as relações nas cidades – culminando, muitas vezes, com a eliminação dos indígenas pela violência e por outras variadas formas de opressão, na assimetria do convívio com as sociedades ocidentalizadas. Se, nas aldeias, há sempre receptividade e hospitalidade em relação aos que necessitam de acolhida, o mesmo não acontece nos espaços urbanos.
Nessa perspectiva, intelectuais indígenas assumem o papel de guerreiros e de guerreiras na contemporaneidade e lançam mão da escrita literária para reafirmarem a sua identidade ancestral, resgatarem memórias e subjetividades e fortalecerem as lutas de seus respectivos povos por respeito e por direitos. Importante ressaltar que muitos desses direitos vêm sendo sistematicamente negados, no contexto de retrocessos verificado em nosso país, na atualidade.
As lutas pelo direito às demarcações de territórios e contra o Marco Temporal são exemplos que não podem ser esquecidos. São batalhas reais materializadas nas ruas com as ações do Movimento Indígena, no qual se destacam as mulheres indígenas, guerreiras que não se calam. E se materializam também na literatura, onde a voz poética das guerreiras e dos guerreiros da palavra dá o tom dos embates.
Graça Graúna é representante ilustre dessas guerreiras indígenas brasileiras na contemporaneidade. Para conhecer melhor sua produção literária, visite-a em seu blog pessoal.45