Em sua música “O Tempo Não Para”, Cazuza lança a expressão “museu de grandes novidades”, um misto entre objetividade e poesia para se referir ao que já é conhecido, às vezes ultrapassado, no entanto apresentado como novidade e mudança.Sobre o Conflito no Oriente Médio
A narrativa é de autonomia, mas a realidade é de tutela
Nada na política brasileira se encaixa melhor ao verso de Cazuza que o Partido Novo, partido identificado como a direita liberal (na economia, apenas, ademais, é lícito defender de tudo) e, atualmente, base aliada do governo, sendo o seu membro de maior notoriedade na gestão de Bolsonaro o ministro Ricardo Salles, a frente de Ministério do Meio Ambiente, no qual, a grande mudança foi na agressividade da destruição da Amazônia e inércia da pasta responsável no que concerne às pautas protetivas da natureza.
A base ideológica do museu de grandes novidades da política brasileira é o liberalismo econômico, que, em síntese, defende a não intervenção do Estado na economia e, se possível, que o Estado apenas garanta o cumprimento das leis, através da manutenção do “direito” à propriedade privada (PARTIDO NOVO, 201-)1. Em tese, o liberalismo defendido pelo Novo parece atraente, mas, na prática implica em políticas como a privatização do ensino público, o fim do Sistema Único de Saúde e também a Reforma da Previdência de Paulo Guedes (Brasil, 2019)2, inspirada no modelo chileno que leva idosos ao suicídio por não poderem pagar suas despesas, por sinal, legado da ditadura de Pinochet entre as décadas de 70 e 80, segundo as informações de Reverbel (2017)3 e Larraín (2019)4.
Além do regime ditatorial chileno, responsável direto por mais de 3 mil mortes (AFP, 2019)5 o liberalismo legou ao mundo o governo de Margareth Tatcher no Reino Unido, culpado por crescimento significativo da pobreza e também o mal-estar social e concentração de renda, situação que hoje custa caro ao governo britânico. O legado dos liberais em terras brasileiras vem da Era FHC com a privatização agressiva de empresas estatais sob a justificativa de melhorar a qualidade dos serviços, que, por sinal, não melhoraram e tornaram-se mais caros. Em sua apresentação de princípios partidários o Novo destaca o “livre mercado” definido da seguinte maneira: “acreditamos que no livre mercado, onde as trocas são feitas de maneira espontânea, os serviços são melhores do que aqueles ofertados pelo Estado, dados os mesmos custos. Concorrência e trocas voluntárias são a melhor defesa do consumidor.”, a maximização disso nos coloca diante aos possíveis cenários: o consumidor é compelido a usar serviços de qualidade inferior visto que não pode pagar pelos serviços de alta qualidade ou é privado destes também por não dispor de condições para pagar, a ideia de trocas voluntárias remete ao ato espontâneo entre duas partes de trocar objetos ou serviços. Há espontaneidade num cenário onde um único laboratório produz um remédio específico do qual um indivíduo precisa? Há espontaneidade onde a escola com melhor grade curricular e recursos para melhoramentos frequentes custa até dez vezes o salário mínimo?6
A gênese de tal partido remonta ao ano de 2018, sob o governo Temer, com um discurso liberal, alinhado às pautas do projeto “Ponte para o Futuro” (Fundação Ulysses, 2015), proposto pela Fundação Ulysses Guimarães em outubro de 2015, vinculada ao então PMDB (atual MDB). Tal projeto visava a superação da crise fiscal por meio de um receituário de austeridade fiscal e pautas liberais exemplificadas através da EC 95 (BRASIL, 2016), a famosa “PEC do Teto”, que limita os investimentos públicos por vinte anos e de propostas como a Reforma Trabalhista (BRASIL, 2017) com prevalência do acordado sobre o legislado. Tais propostas, para o mais recente partido da direita brasileira, eram quase ideais, a elas ainda faltavam toques mais agudos de liberalismo (e retirada de direitos).
Com o programa que valoriza o federalismo em oposição à centralização de decisões pela esfera federal, a iniciativa privada em oposição aos serviços públicos e o liberalismo em oposição ao intervencionismo, até mesmo na garantia de direitos essenciais, além do discurso centrado na moralidade, renovação política e corte de privilégios, o Partido Novo em muito lembra o extinto PRN, anteriormente PJ, do ex-presidente Fernando Collor de Mello. O partido do herdeiro de Arnon de Mello surgiu em 1985, num momento de encruzilhada política no Brasil, início da redemocratização, onde a disputa de narrativas era crescente. O então PJ (Partido da Juventude) surge como o partido daqueles que ainda não haviam participado de disputas eleitorais, com estrutura precária e votação pouco expressiva até 1989, quando recebe em seus quadros Fernando Collor de Mello, passando a se chamar PRN (Partido da Renovação Nacional). O partido do jovem Collor defendia a renovação moral, a livre iniciativa e a redução da interferência estatal na economia, era contrário ao centralismo exacerbado e também acreditava na redução sistemática de privilégios do funcionalismo público, no entanto, era ferrenho opositor do sucateamento das empresas estatais pelo governo Sarney (FGV,200-).
O livre mercado, em sua gênese, é a total ausência do serviço público, visando a expansão dos serviços privados para o atendimento das demandas individuais, considerando o cenário econômico do Brasil onde a desigualdade social é a 99ª maior do mundo e a concentração de renda é a maior do mundo, pondo a grande massa de pobres e a classe média num contexto onde os “serviços privados de melhor qualidade” serão oferecidos por alguns poucos grupos que já controlam setores e detêm capital, ou seja, é a perpetuação da riqueza e a elevação da pobreza. É um sistema onde o que ocorrerá será a transferência de renda das classes média e baixa para a classe alta, resultando no aumento da miserabilidade e fim da classe média, processo já em andamento realizado pelo aliado dos liberais do Novo, Jair Bolsonaro, do PSL, por sinal, um partido bem semelhante ao Novo, porém com um discurso mais agressivo e imbuído de profundo conservadorismo.
Os mesmos liberais, em suas propostas, defendem o fim do piso salarial e do salário mínimo obrigatório em um país com 13 milhões de desempregados e mais que o dobro de de subempregados e em recessão técnica. Isso tudo significa: a defesa de remunerações terrivelmente baixas, tendo em vista que a oferta de mão de obra é muito maior que a demanda e para além da descaso com a realidade material da maior parte da população. O partido do ministro Ricardo Salles simplesmente não tem uma única menção ao meio ambiente em seus posicionamentos, provavelmente porque a conservação ambiental implica em impor limites ao Mercado e que segundo o referido ministro implica em medidas anticapitalistas.
Ricardo Salles mostra-se um legítimo liberal, assim como o seu partido e nos mesmos moldes do governo Temer, responsável por aprofundar a crise iniciada em 2013, defende a ausência da regulação estatal, regulação esta que impede, ou minimamente controla, o desmatamento massivo e a exploração voraz, e assim como o maior dos neoliberais, em sua tendência mais radical, Ludwig Von Mises, flerta com o fascismo como forma de defender o capitalismo, sendo o fascismo a expressão da crise capitalista que é a raiz da crise ambiental, nos impondo uma reflexão sobre quais medidas tomar.
O fato da atual crise ambiental ser consequência do capitalismo é observável ao ver um simples pronunciamento do ministro responsável pela pasta feito em entrevista à BBC Brasil onde o abjeto integrante do Novo diz que a Amazônia precisa de “soluções capitalistas”. Quando entende-se que o capitalismo visa o lucro e a acumulação, entende-se que as ditas “soluções” são a geração de lucro e acumulação através da exploração da Amazônia, afinal, uma das principais características do capitalismo é a mercantilização de todo e qualquer recurso existente .Não existindo dentro deste sistema econômico uma solução efetiva para a crise ambiental, mas apenas doses homeopáticas de soluções paliativas.
A resposta do paradigma sobre a superação da crise ambiental e superação da crise do capitalismo nos é dada, como um presente, pelo ecossocialista Michael Lowy em seu artigo “Crise ecológica, cris capitalista, crise de civilização: a alternativa ecossocialista”, no qual o grande marxista brasileiro nos traz uma concepção não só de um outro sistema econômico, de um socialismo desenvolvimentista, mas de um socialismo atrelado à democracia radical e a um modo racional de gestão de recursos e escassez, uma proposta que elimina as características do fetichismo da mercadoria (MARX, 2016) e nos lança a um horizonte onde as forças produtivas serão pensadas para atender às necessidades humanas, ao bem-estar e ao bem-viver da classe trabalhadora, uma proposta de fato inovadora no cenário político, ao contrário da reafirmação dos dogmas liberais do Partido Novo e de seu membro, o ministro Ricardo Salles, mediante tal horizonte, só resta dizer: ECOSSOCIALISMO OU BARBÁRIE!78910111213141516.