Para muitos, é difícil entender mulheres se intitulando antifeministas, defendendo movimentos antidemocráticos e apoiando políticos que já deram provas de misoginia e de total desprezo pelos direitos femininos, e que governam na contramão das conquistas femininas das últimas décadas.Sobre o Conflito no Oriente Médio
A narrativa é de autonomia, mas a realidade é de tutela
O papel da mulher na sociedade ocidental mudou drasticamente a partir da década de 1950. Há pouco mais de 100 anos, as senhoras brasileiras (mulheres da elite) só saiam às ruas acompanhadas dos maridos ou de seus escravos, com o rosto coberto por um véu, para compras de artigos femininos ou para eventos religiosos. Passavam o tempo com bordados, leituras permitidas às mulheres e, quando possuíam dotes artísticos, poderiam dedicá-los à família e aos amigos, em saraus realizados no âmbito doméstico.
Elas não tinham direito ao voto, não decidiam com quem se casariam, se ficariam solteiras ou não teriam filhos. Não conseguir casamento ou não poder ter filhos era a desgraça para qualquer mulher. Muitos outros direitos, mais subjetivos, passam despercebidos, como a forma de vestir e de arrumar o cabelo, que era rigorosamente determinado pelos padrões morais da sociedade, de acordo com a idade e a classe social.
Graças às feministas – mulheres que lutaram pelos seus direitos, que muitas vezes não se intitularam feministas – a antifeminista Sara Giromini, vulgo Sara Winter, quando se intitulou feminista, não foi presa ou massacrada. Ela pode votar em quem quiser, pode viajar sozinha pelo mundo, tem o direito de montar acampamento ou qualquer tipo de manifestação pacífica para protestar contra o que lhe convir, ter a profissão que desejar e usar calças, por exemplo.
Mas é importante perceber que, em qualquer tempo, nem todas as mulheres lutaram para mudar o papel e os direitos femininos. A grande verdade é que, ao longo da história, a maioria das mulheres preferiu manter a comodidade do sistema patriarcal que lhes dava muitas regalias, entre elas a de ter criadas ou escravas que dessem conta do trabalho doméstico, da criação e muitas vezes, até mesmo da amamentação dos seus filhos. Além disso, poderiam descontar a opressão e os abusos do marido nos criados e escravos.
Sabemos que a grande mudança se deu a partir da Primeira Guerra Mundial e que foi intensificada na Segunda Guerra, quando pela ausência dos homens, as mulheres tiveram que assumir os postos de trabalho. Portanto, as mudanças não ocorreram pelo simples descontentamento das mulheres com o sistema. Se fosse assim, não teríamos mais de 5.000 anos de patriarcado.
Mesmo na sociedade ocidental, aonde vimos os maiores avanços nos direitos das mulheres, ainda temos uma considerável parcela de mulheres que prefere viver sob a cômoda situação de depender do marido, abrindo mão de certas liberdades. Mesmo porque, grande parte das liberdades hoje está institucionalizada, não podem mais ser restringidas, graças à luta daquelas que foram para o mercado de trabalho. Daí, o surgimento de movimentos antifeministas liderados por mulheres.
Essas são as mesmas que pegaram em panelas em 2015 e 2016, não para fazer o jantar, mas para pedirem o fim de um governo popular que ampliou os direitos trabalhistas das empregadas domésticas e que concedeu uma série de direitos e benefícios que ajudaram as mulheres da camada mais pobre da sociedade a vislumbrarem outras possibilidades de trabalho, para além do serviço doméstico. Afinal, é a opressão dessas mulheres que garante a vida cômoda das mulheres da elite que escolhem serem apenas esposas ou decidem seguir uma carreira profissional, caminho aberto também por aquelas mulheres pobres que foram trabalhar nas indústrias durante as guerras. Onde estaria a comodidade se elas tivessem que fazer o trabalho doméstico e cuidar sozinhas dos próprios filhos?