Em setembro de 2017, o general do Exército Brasileiro, Antônio Hamilton Mourão, afirmou em uma palestra sobre a possibilidade de intervenção militar no Brasil, proferida na Loja Maçônica Grande Oriente, em Brasília: “[…] se tiver que haver, haverá [ação militar]. Mas hoje nós consideramos que as aproximações sucessivas terão que ser feitas” (VALENTE, 2017)”1, se referindo ao Alto Comando do Exército.Sobre o Conflito no Oriente Médio
A narrativa é de autonomia, mas a realidade é de tutela
Resumindo, o método de aproximações sucessivas é um método aritmético utilizado para encontrar a aproximação de um determinado número através de logaritmos, atribuindo diversos expoentes a uma base, até chegar mais próximo do número desejado. A estratégia utilizada pelos militares para avançar em relação a um alvo, na verdade, é uma analogia ao método aritmético. A aproximação se dá paulatinamente, sempre testando a capacidade de avançar, sem se importar com a necessidade de recuar, pois sempre há uma margem de avanço. Aos poucos, chegam ao alvo, sem que o inimigo perceba. Por exemplo: o território a ser invadido está há mil metros e, após avançar 500 metros, a tropa precisa recuar. Porém, ela recua apenas 200 metros. Agora, ela está há 700 metros do território inimigo. E assim, vai “ganhando terreno” sucessivamente, a cada investida.
Dilma Russeff dá um exemplo de aproximações sucessivas no contexto atual: “Se hoje não tem a possibilidade de um autoritarismo, a ideia é radicalizar. Aí há uma reação e você recua. […] De tal forma que você normaliza, por exemplo, a discussão sobre o AI-5 no Brasil. Quando que no Brasil se discutia abertamente a volta do AI-5? Nunca. Quando no Brasil se discutia intervenção militar? Nunca. E hoje isso se tornou pauta da imprensa.” (MARREIRO; BEDINELLI; GORTÁZAR, 2020)”2. Ou seja, aos poucos, as ideias autoritárias vão se tornando normais.
Atualmente, com a presença marcante dos militares no poder central, a calcular pelo número de ministros militares escolhidos por Bolsonaro, é nítido que a afirmação feita por Mourão em 2017 não era infundada. E, ao contrário do que muitos pensavam em 2018, Bolsonaro não era apenas um ex-militar, rejeitado pelo Exército. Ele continua a serviço das Forças Armadas. Recuar se tornou uma das principais estratégias de Bolsonaro, desde a campanha eleitoral, quando após ser criticado por suas declarações racistas, machistas, homofóbicas, misóginas e autoritárias, voltava atrás e dizia que não tinha nada contra as mulheres e os gays, por exemplo. Sabia, porém, que naquele momento já havia despertado ideias e sentimentos recalcados e ganhado discípulos. Afinal, os racistas, machistas, homofóbicos, misóginos, existem em qualquer lugar e em qualquer tempo, porém só terão seus discursos e seus atos legitimados por governos autoritários.
Os usos da estratégia de aproximações sucessivas, com avanços e recuos do governo Bolsonaro, rumo ao autoritarismo, são quase que diários. Como exemplos, podemos citar a tentativa de esvaziamento da pasta de Moro com a recriação do Ministério de Segurança Pública; a anulação da nomeação de Ramagem à direção-geral da PF; a anulação da MP que previa suspenção de contratos de trabalho por até quatro meses sem salário; anúncios de reabertura do comércio durante a pandemia, do fim do isolamento vertical e da indicação de cloroquina, entre muitos outros. A cada reação da imprensa ou do povo, com panelaços e manifestações, ele recua. E a cada recuo, nós que lutamos contra esses absurdos, ficamos contentes, nos sentimos vitoriosos. Porém, muitas vezes, não percebermos que o recuo não foi ao ponto zero e que os propósitos autoritários e nefastos tiveram seu avanço.
A educação é um exemplo muito claro. Em 2019, Bolsonaro realizou vários cortes nos recursos da educação e em setembro daquele ano, o orçamento previa a retirada da metade dos recursos do MEC para pesquisa. Após manifestações dos estudantes e de diversas instituições, o governo recuou. Era o terceiro corte do ano nas bolsas de mestrado e doutorado do Capes (Folha de São Paulo, 11 set. 2020). Seriam cortadas 5.613 bolsas e fora determinado que nenhum novo pesquisador seria financiado naquele ano. Ao recuar, reativou 3.182 bolsas (Folha de São Paulo, 11 set. 2020). Ou seja, ainda havia o corte de 2.431. Logo depois, foi anunciado um novo sistema de concessão de bolsas, baseado na pontuação das universidades e dos cursos, que dificulta a competição de universidades menores e cursos de ciências humanas, por exemplo. Por conseguinte, o número de bolsas concedidas continua caindo, sem que seja necessário anunciar cortes. Um estudo da Associação Nacional de Pós-graduados (ANPG) mostra que entre 2015 e 2020 foram cortadas 8.070 bolsas de mestrado e doutorado.3
O primeiro semestre de 2020 termina com uma imensa crise no Ministério da Educação, com um ministro demitido, depois de uma extensa lista de ataques à educação e de projetos de pesquisas parados e o novo ministro pedindo demissão após ter seu currículo desmascarado. Os avanços do governo Bolsonaro no desmantelamento do sistema de educação e do desenvolvimento científico do país são incalculáveis.
O alvo do autoritarismo é a democracia. O ataque é em relação a todas as instituições democráticas. Entretanto, a educação é o alvo principal. E esse foco não é por acaso. Estudantes e intelectuais sempre foram a grande ameaça aos governos autoritários. É a parcela da população que vigia os passos do governo e tenta alertar os demais. Nas forças armadas, seriam chamados de “pelotão de exploradores”. A diferença é que a tropa para a qual os estudantes e intelectuais trabalham, o povo, nem sempre está disposta a seguir suas orientações.45