Entre o final dos anos de 1990 e o começo do novo milênio, nascia uma geração. Junto às novas tecnologias, crianças “pipocavam” e se desenvolviam frente a diferentes promessas de um século pacífico, com uma sólida economia mundial. Novas formas de vida social significavam mudanças nos hábitos sociais, sistema educacional, costumes e tradições de diversas culturas (que, por sua vez, integravam a ocidentalização globalizada).Sobre o Conflito no Oriente Médio
A narrativa é de autonomia, mas a realidade é de tutela
Com toda a efervescência política e tecnológica, a questão da autonomia a partir do desenvolvimento humano parecia cada vez mais resolvida. Novas metodologias de ensino e aprendizagem se destacavam como, por exemplo, o método Paulo Freire. Entretanto, modelos arcaicos de desenvolvimento humano persistiram e continuaram hegemônicos em ambientes educacionais e familiares.
É claro que as teorias sobre o campo de pesquisa do desenvolvimento humano se transformaram e incentivaram a prática de métodos que possuem como base a autonomia e o zelo à integridade física e psicológica do indivíduo. No Brasil, é perceptível que as novidades não conseguiram penetrar as camadas mais profundas da desigualdade gestacional, das influências ambientais, das dificuldades de aprendizagem e da hipossuficiência disciplinar.
Alojar a culpa de uma falida tradição de desenvolvimento humano no bombardeio de informações e nos próprios jovens escancara, no mínimo, a desonestidade por trás de um sistema educacional ultrapassado que se une a uma cultura familiar de “palmadas” e “punições”. A falha ética que compromete o Brasil, em especial, é deixar com que tais métodos colapsados se perpetuem no espaço-tempo, ao ponto de voltarem a ser validados pelo Estado e, consequentemente, utilizados em ambientes familiares comuns.
Atualmente, fala-se sobre uma geração Z “nem-nem” e incompatível com o capitalismo. Os jovens que não estudam e não trabalham são considerados improdutivos pelo sistema e são reduzidos a um estigma ocidental de desvalimento. Mas como se pode cobrar produtividade fiel, ou certa graciosidade dos jovens, se estes se desenvolveram tendo suas autonomias restringidas? É igualmente inadmissível retratar a improdutividade ou a indisciplinaridade como fator-problema, sem enxergar uma solução que aponte para revolucionar o sistema educacional brasileiro e tratar o ambiente familiar em todas as suas instâncias.
O Brasil passou por diversas reformas no ensino público. Contudo, a maioria dessas reformas não reformulou o modus operandi do sistema, ficando restritas a modificar o conteúdo administrado nas disciplinas de curso. Foi assim que no final do século XIX, e nas primeiras décadas do século XX, obteve-se como prioridade conteúdos tradicionais e moralizantes. Também foi assim que, durante o Regime Militar, um currículo tecnicista agrupou as disciplinas em “áreas de conhecimento” e as ciências humanas perderam a importância, tendo em vista o caráter profissionalizante do ensino.
Não se trata somente de reformular a infraestrutura básica das salas de aula ou de oportunizar a valorização profissional dos professores. Para além, é preciso colocar em prática a legislação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que: a) dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente; b) assegura a educação pública e de qualidade a todas as crianças e adolescentes; e c) assegura os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, como proteção integral e todas as oportunidades e facilidades a fim de facultar, à criança e ao adolescente, o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
A Política Nacional de Alfabetização (PNA), instituída pelo Decreto nº 9.765 de 11 de abril de 2019, demonstra a grande importância de construir uma educação humanista, pautada pela saúde dos três nichos de desenvolvimento humano: físico, cognitivo e psicossocial. Todavia, a prática educacional brasileira impossibilita um desenvolvimento autônomo e respeitoso, visto que confere à aprendizagem um modelo disciplinar que impede o diálogo, a troca entre professor-aluno e a busca pela descoberta de habilidades.
É urgente modificar o “modelo brasileiro” de desenvolvimento humano a fim de priorizar a autonomia e a integridade da criança e do jovem. Tratar o ambiente familiar, a fim de facilitar o desenvolvimento, é também diminuir a desigualdade social e racial que assola o Brasil. Modificar o sistema educacional brasileiro é transformar o ambiente rígido, disciplinar e antidemocrático em um ambiente de aprendizagem, construção do indivíduo e formação do cidadão responsável.
Sendo assim, uma questão intriga: como efetivar as políticas públicas para uma formação de qualidade, se não mudarmos as composições disciplinares, os formatos “quadrados” das salas de aula, os instrumentos didáticos e as formações acadêmicas dos professores? Por fim, deixo aqui um recado: se falhamos em construir gerações passadas saudáveis, que não falhemos em construir uma futura geração próspera, responsável e autônoma.1