A violência contra civis em Israel é inaceitável. Assim como o massacre de civis na Palestina. O que se assiste no Oriente Médio é o extermínio de vidas inocentes em um conflito cujas raízes repousam em 75 anos de uma guerra insana, alimentada e acobertada pelas potências mundiais. Um conflito, entretanto, que pode e deve ser amenizado com a criação de um Estado palestino.Sobre o Conflito no Oriente Médio
A narrativa é de autonomia, mas a realidade é de tutela
A ocupação daquela parte do Oriente Médio, que hoje enche os jornais e as redes sociais, pelos judeus aconteceu dentro de um projeto político e nacionalista, de caráter colonial, desde fins do século XIX: o sionismo. Este projeto atribuiu a tal território uma importância que extrapolou questões econômicas para sintetizar as aspirações religiosas. Dogmas. Contava com apoio em várias partes do mundo; inclusive no Império Otomano, que dominava a região, e na Inglaterra, principal potência européia.
A mesma Inglaterra que, interessada em enfraquecer o Império Otomano, então seu inimigo na I Guerra Mundial, fomentou o sonho de independência dos árabes, subjugados pelos otomanos, enquanto junto com a França planejava partilhar o Império após sua derrota.
Quando, de acordo com seus próprios planos, a Inglaterra assumiu o controle da Palestina passou a patrocinar a migração sionista para aquela região. A colonização empreendida pelo movimento se baseou – e ainda se baseia – em um modelo no qual a população nativa é substituída por colonos emigrantes. Isto marcou a ocupação do território com a expulsão, quase sempre violenta, dos palestinos de suas terras. À população local restou os protestos contra a ocupação britânica e seu apoio ao sionismo. Guerrilhas palestinas começaram a ser formadas, ataques e atentados foram organizados. A insatisfação muçulmana contra a crescente presença de judeus na Palestina também se manifestou por meio de greves e atos de desobediência civil. Os levantes de al-Buraq de 1929; os tumultos, de 1933; a grande revolta árabe (al-Zawra al-kubra), de 1936-39; são exemplos. O que não ficou sem resposta: milícias compostas por judeus, como a Irgun, passaram a realizar atentados contra a população árabe. Como ainda hoje, em pleno confronto.
Levado o conflito às Nações Unidas, esta votou formalmente pela divisão da Palestina, por meio da Resolução 181. O território foi dividido em dois estados – um judeu e outro árabe. Mas a partilha era desigual e foi rejeitada pelos palestinos.
Aceitando o plano, em 1948, o Estado de Israel foi criado. O que resultou em uma guerra que expulsou mais da metade da população palestina. Algo entorno de 800 mil pessoas de diferentes religiões e posições sociais – muçulmanos e cristãos – foram expulsos de suas casas e terras. A maioria se tornou refugiado em outros países. Com a al-Nakba (a catástrofe, o desastre, como ficou conhecido), Israel passou a controlar 75% da região. Os bens individuais e coletivos dos que fugiram foram expropriados ou destruídos. Cidades, povoados e vilas esvaziados ou demolidos.
Assim, a tensão não diminuiu. Em 1967, Israel foi atacado por tropas do Egito, Síria, Iraque, Líbano e Transjordânia (atual Jordânia), na Guerra dos Seis Dias. Melhor preparado, Israel venceu mais esta guerra e invadiu os territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza; que estão ocupados até hoje.
Seis anos depois, em 1973, aconteceu a Guerra do Yom Kippur. Egito e Síria contra Israel. Mais uma vez, vencida por este. As conquistas territoriais israelenses, em meio as guerras, duplicaram a sua área. A conquista fez crescer uma noção de cidadania desigual, em que judeus são cidadãos, e palestinos, não. Cisjordânia e Gaza foram tomadas por colônias fundadas por grupos religiosos messiânicos de extrema-direita, que dificultam qualquer tipo de saída dos israelenses desses territórios.
Esta situação levou os palestinos a rebeliões, chamadas Intifadas. A primeira aconteceu em 1987, e a segunda, em 2000. Nesses levantes, a população se armou com paus e pedras e foi para o confronto contra as tropas israelenses. Estima-se que cerca de 1.200 palestinos morreram na primeira Intifada, e cerca de 3.300, na seguinte.
Mesmo acordos de paz, como os de Oslo, em 1993 e 1995, não trouxeram solução para o longo conflito. Embora tenham levado Israel a reconhecer a Organização para Libertação da Palestina (OLP) como representante legítimo do povo palestino no seu direito de formar um Estado próprio. Desde 1988, foi proclamada a independência da Palestina, tendo por base a Resolução 181, da ONU.
A população palestina luta para conseguir a sua autodeterminação – uma vez que o Estado da Palestina está ocupado –, mas também para conquistar melhores condições de vida, pois Israel os mantém em condições degradantes, limitando o acesso a recursos básicos, como água, e sufocando a população que vive em uma parte deste Estado – Gaza – com um bloqueio econômico que se estende desde 2007, por conta da ascensão política de grupos fundamentalistas religiosos, como o Hamas.
Por um lado, o ataque a pessoas inocentes por militantes do Hamas (acrônimo do Movimento de Resistência Islâmica) foi um ato que precisa ser repudiado com clareza. O grupo fez mais de uma centena de reféns. São crianças, jovens, idosos, famílias inteiras; civis e militares. Escudos humanos, um trunfo execrável.
Por outro, o bombardeio de regiões em Gaza, pelas forças armadas israelenses não pode ser desculpado. Além dos milhares de mortos, a maioria civis inocentes – e muitas crianças -, a infraestrutura da cidade foi destruída. Não há água encanada ou luz elétrica. Milhares de residências e a rede de hospitais e escolas foram atingidos.
Um ataca, o outro revida. Assim tem sido por décadas. Um círculo vicioso que só alimenta os extremistas políticos, os fundamentalistas religiosos e a indústria de armas. A causa palestina de um Estado independente, laico e de convício com Israel tem de ser possível, tem de ser factível. Não é mais possível fingir que não se vê um povo em busca de sua existência, se desejamos trazer a paz na região.