Quanto mais o mano passa a bola, Bem mais dono dela ele se torna // Ela é dona dele e quase humana, Aos pés do mano ela retorna // Quanto mais o mano passa a bola, Mais ela se apega ao pé do mano // O mano toca nela com carinho, E ela deixa o mano mais humano // O mano de desloca pelo campo, Pra receber a bola mais à frente // Enquanto não volta aos pés do mano, Ela vai com outro, alegremente1Sobre o Conflito no Oriente Médio
A narrativa é de autonomia, mas a realidade é de tutela
Nos versos em epígrafe, o poeta enfatiza a relação afetiva do atleta com a bola. Ricardo Aleixo viveu sua infância na capital mineira e, da mesma forma que muitos garotos brasileiros da sua geração, cresceu identificado com heróis do futebol. Assim, o termo “mano”, identifica o jogador, na superfície textual, aproximando-o do universo de tantos garotos negros que sonham com um futuro brilhante nos gramados do mundo inteiro.
O fato de grande parte dos ícones do futebol serem atletas negros, de certa forma, contesta estigmas em torno da negritude. Em outras palavras, essa constatação invalida a maioria dos argumentos racistas que pretendem reafirmar uma suposta superioridade branca, tanto dentro quanto fora dos estádios de futebol. O reconhecimento de atletas negros funciona, na maioria das vezes, como “tapa na cara” dos racistas, principalmente daqueles que pretendem inferiorizar o povo preto e relativizar o preconceito racial em todas as esferas da sociedade.
De modo bastante sutil, o poeta, – que também é negro e aborda em seus textos as temáticas da negritude – acena para o inconfesso ressentimento dos racistas, diante da competência de muitos jogadores negros que “mandam bem pra caramba” no futebol. Esse aborrecimento justifica, por exemplo, a perseguição sofrida pelo jogador brasileiro Vinícius Jr. que atua no Real Madrid, na Espanha.
Imagens do craque em campo comprovam que, durante ataques racistas, uma das estratégias dele tem sido ostentar a camisa que comprova a sua reconhecida competência no futebol mundial. Diante desse fato, cabe cobrar posturas mais firmes dos organizadores dessas práticas esportivas para que haja punição adequada contra essa atitude criminosa de grupos extremistas infiltrados na plateia dos jogos.
O inaceitável disso tudo, é que a violência e a prática descabida do racismo continuam assolando a sociedade e, no futebol, não é diferente. A lista de jogadores agredidos por ofensas racistas vem crescendo de forma vertiginosa. Em relação aos jogadores brasileiros, infelizmente, há uma lista interminável desses relatos criminosos como os ocorridos com: Diego Maurício, Paulão, Obina, Tinga, Arouca, Aranha, Michel Bastos, Vitinho, Vini Jr, entre tantos outros.
As práticas preconceituosas dão relevo ao obscurantismo predominante em alguns setores retrógrados da sociedade que insistem em negar avanços científicos e tecnológicos. E ainda consideram vantajoso manter uma estrutura ultrapassada e nefasta em benefício de interesses escusos, no jogo dos papéis sociais. O fato é que o recrudescimento das tensões em torno do racismo evidencia a existência de campos conflitantes de interesses que se beneficiam, de algum modo, dessas ações criminosas que não têm mais lugar em sociedades harmônicas e sustentáveis.
A literatura afrodiaspórica tem sido lugar privilegiado de reflexão das temáticas concernentes ao universo do povo negro em diferentes localidades do planeta. Na literatura negrobrasileira, essas temáticas da contemporaneidade são continuamente tensionadas. A crítica reconhece a importância da presença do corpo na realização da poética de Ricardo Aleixo e seu caráter altamente performático.
Assim, esperamos que a literatura e as demais artes atuem cada vez mais para a desconstrução dos modelos de opressão e silenciamento da juventude negra. Que o preconceito ceda lugar à construção do conhecimento e da paz, engendrando posturas mais respeitosas em relação à diversidade do povo brasileiro. Que as artes, de forma geral, estejam cada vez mais presentes em setores estratégicos da sociedade, de forma a minimizar os efeitos do preconceito que envenena as relações sociais.
Pela valorização dos nossos atletas! Pela harmonia nas relações sociais! Por mais respeito à diversidade! Racismo Não! Somos Vinícius Jr.!